January 26

Promiscuidade

EDIÇÃO Nº56 | JANEIRO - FEVEREIRO - MARÇO | 2022

BREVE EXCERTO

“A promiscuidade é a mistura de relações (tipos de relação): relações de amizade com relações eróticas (o protótipo é a chamada “amizade colorida” ou a mais tímida amitié amoureuse); relações de ternura e paixão – verticais ou horizontais, intrafamiliares ou extrafamiliares, discretas ou incestuosas (pai/mãe-filha/o, entre irmãos, etc; professor-aluna, patrão-secretária, etc) confundidas. O padrão não é o da solidariedade e igualdade, mas, isso sim, o de protector-protegida ou senhor (chefe)-escrava (subordinada).

As relações promíscuas comportam sempre a transgressão do código ético (parceiro/a casado/a, padre, médico ou terapeuta, etc). Importa  o desafio, o risco, o gosto de quebrar regras, a competição com o rival sobrepondo-se ao amor pelo objecto e o falso e ilusório sentimento de triunfo (apanágio dos fracos, inferiores e cobardes); é uma luta por um vão poder. De resto, a promiscuidade confunde e amalgama erotismo/amor e poder/domínio – o que no fundo denota o grande traço da perversão sexual, o predomínio da agressividade sobre a libido; como dizia o conhecido e reconhecido “Papa das perversões”, Robert Stoller: “a perversão é a ligação pelo ódio”. Talvez com maior rigor possamos dizer que é a “ligação pelo poder” – é o desejo de poder que domina a mente e o comportamento do perverso; o desejo de poder e, não menos significativo, o desejo de compensação do sentimento de inferioridade. O perverso tem sobretudo um profundo complexo de inferioridade; o perverso sobe montanhas, não para ver outras coisas, mas, sim, para julgar que é mais alto. O défice narcísico é o grande problema da perversão.“ 

 

Promiscuidade 

De António Coimbra de Matos

 

January 26

O Joio na Seara: A Psicologia Ameaçada

EDIÇÃO Nº56 | JANEIRO - FEVEREIRO - MARÇO | 2022

BREVE EXCERTO

“INTERPRETAR É COMPREEENDER

O desenvolvimento e a disponibilidade de técnicas psicoterapêuticas decorrentes do conhecimento baseado na lógica e na evidência – razão pura e razão prática – é uma inegável e importante aquisição do nosso tempo histórico.

Efectivamente, vai-se esfumando a época da influência predominante – no campo da psicoterapia – do simples senso comum (psicologia popular) e do pensamento em arco reflexo do imediatismo empírico: do óbvio e do post hoc propter hoc (passou um cometa e morreu o Cardeal, logo os cometas matam os cardeais).

É dizer: do processamento linear, repetitivo e analógico do acontecer episódico (que obedece às leis do processo primário: contiguidade, continuidade, redundância e semelhança formal) – seja, da memória episódica não articulada histórica e biograficamente –, bem como do “sexto sentido” das nebulosas intuições da consciência primária (dos palpites).“ 

 

O Joio na Seara: A Psicologia Ameaçada

De António Coimbra de Matos

 

January 26

Melancolia

EDIÇÃO Nº56 | JANEIRO - FEVEREIRO - MARÇO | 2022

 

BREVE EXCERTO

“O melancólico vive subjectivamente um delírio de culpa e inferioridade – julga-se, está mesmo convencido que é culpado e inferior. A sua doença é esta crença patológica; e patológica porque não corresponde à sua  história factual de vida, à acontecência do seu comportamento, seja, ao desenrolar do seu agir social (pelo contrário, é um indivíduo dócil, submisso, obediente e bem comportado). Esta é a sua patogenia, isto é, a forma ou o processo como a causa do sofrimento/doença actua – uma convicção que não se apoia em factos/acontecimentos/comportamentos concretos, objectivos e reais; logo, uma crença, um mito, um delírio, em última análise. Não corresponde à realidade – é irreal –, nem à interpretação lógica – é uma culpa ilógica.

A sua causa – a etiologia – é a culpa induzida (incutida, injectada) pelo agente e/ou ambiente depressígenos; e induzida explícita ou implicitamente. É esta a culpa depressígena – ilógica e patológica; instilada pelo meio social envolvente. Uma culpa que impregna toda a anatomia e fisiologia da alma; sem o sujeito dar por ela (a culpa) – personalidade depressiva – ou tendo dela consciência – depressão. Mas uma culpa e inferioridade que tudo tinge de amargura e ineficiência, indecisão e dúvida, inércia e adiamento; que trava e emperra, castiga e não perdoa, dói e faz doer (sadomasoquismo).“ 

 

Melancolia 

De António Coimbra de Matos

 

October 21

O Zé

EDIÇÃO Nº55 | OUTUBRO - NOVEMBRO - DEZEMBRO | 2021

BREVE EXCERTO

“Vivia a dois quarteirões de distância e vinha todos os dias jantar a nossa casa. Pontualidade britânica: às sete horas a campainha tocava e era ele. Sentava-se na sala a ver televisão ou ia para a varanda fechada brincar com as netas. À espera da refeição. 

Sofria de Alzheimer. Já não se lembrava do que dissera três mi- nutos antes, mas ainda vivia sozinho, cumprindo a sua rotina com método e com uma boa disposição que não perdera, nem depois da morte da mulher. 

Quando esta morrera ficámos naturalmente muito preocupados. Que fazer? Eram os dois unha com carne. Ela cuidava dele e su- pria-lhe a falta de memória. O Zé tinha-se reformado do seu mo- desto, mas famoso, estaleiro de pequenos barcos de recreio, e desde então não fazia mais do que acompanhar a mulher, como uma sombra silenciosa, ela cada vez mais gorda e lenta, ele cada vez mais magro e lento. A Arminda metia conversa com metade de Algés, o Zé sorria a seu lado, muitas vezes sem sequer seguir a conversa, porque era meio surdo.“ 

 

O Zé 

De Sebastião Alves

 

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